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Com gargalos de produção, Brasil perde oportunidade em mercado bilionário de fitoterápicos

País participa de apenas 0,1% do faturamento global de US$ 230 bilhões, aponta estudo

O Brasil tem déficit na ordem de R$ 1 bilhão por ano no mercado de medicamentos baseados em plantas e importa mais do que exporta em todos os segmentos dessa cadeia produtiva. O dado faz parte de estudo produzido pelo Instituto Escolhas, que analisou os entraves na cadeia produtiva de fitoterápicos.

Em 2024, o mercado global de ervas medicinais foi avaliado em torno de US$ 230 bilhões (R$ 1,3 trilhão), mas o Brasil participou apenas de 0,1% de todo o faturamento global, com uma arrecadação de R$ 868,4 milhões. Até 2032, espera-se que o mercado mundial de fitoterápicos dobre de valor.

Na avaliação da pesquisa, o país perde a oportunidade surfar nesse mercado bilionário, atualmente ocupado por farmacêuticas europeias e chinesas. “É um assunto economicamente fortíssimo, onde o Brasil deveria liderar. Desperdiçamos o potencial da nossa biodiversidade“, afirma Sérgio Leitão, diretor executivo do Instituto Escolhas.

Um exemplo dessa lacuna no Brasil é o jaborandi, árvore nativa das regiões Norte e Nordeste do Brasil. Das suas folhas, se extrai a pilocarpina, princípio ativo de colírios para tratar o glaucoma. O Brasil exporta essa matéria-prima para farmacêuticas estrangeiras e importa medicamentos manufaturados, com custo mais alto.

Segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em 2023 o país produziu 245 toneladas de folhas de jaborandi, gerando um valor de produção de R$ 1,18 milhão –ou seja, R$ 4,84 por quilo.

Já o colírio feito com a pilocarpina, que contém entre 10 e 40 miligramas da substância, custa de R$ 25 a R$ 60, ou seja, até quase 12 vezes o valor do quilo exportado do jaborandi.

Para Valcler Rangel, vice-presidente de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), isso acontece porque o mercado brasileiro de medicamentos fitoterápicos é marginal. “É mais fácil exportar a commodity do que processar o produto nacionalmente, porque as questões regulatórias hoje não favorecem essa possibilidade”, afirma.

Mudança no marco regulatório deve ampliar mercado

Em março de 2025, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) iniciou a revisão do marco regulatório de fitoterápicos e registrou uma série de consultas públicas que propõem diminuir a burocracia e facilitar a difusão dos medicamentos.

Entre as mudanças sugeridas, estão um registro mais simples, a restrição dos agrotóxicos permitidos e a atenuação de alguns critérios de controle de qualidade, numa tentativa de equiparar a legislação brasileira à europeia.

Atualmente, o modelo de registro de um novo medicamento fitoterápico é muito caro, pois envolve todas as etapas dos procedimentos de pesquisa, incluindo testes clínicos de segurança.

Para o Instituto Escolhas, mudanças nas exigências poderiam aumentar a participação de pequenos produtores e da agricultura familiar no mercado de fitoterápicos. “É preciso melhorar a rentabilidade daqueles que são detentores desses recursos”, afirma Leitão.

O estudo do instituto, que analisou 514 processos de regularização à Anvisa de 343 produtos fitoterápicos, mostrou que a maioria dos pedidos foram feitos por empresas de médio ou grande porte da Região Sudeste. Não foram identificadas cooperativas ou associações de pequenos produtores.

Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos diz que a revisão do marco regulatório pode permitir a ampliação do mercado brasileiro, com normas mais próximas do padrão internacional. Em nota, reforçaram a importância de que os fitoterápicos sigam as mesmas normas de segurança, eficácia e qualidade que todos os medicamentos registrados na Anvisa.

Fitoterápicos ganham espaço no SUS

Um projeto da Fiocruz mapeou 38 cadeias de valor de plantas medicinais e espécies vegetais em todo território brasileiro. Segundo o estudo do ArticulaFito, o desenvolvimento da base produtiva nacional é baixo, especialmente nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

Com financiamento do MDA (Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar), o projeto destina recursos e tecnologias para que pequenos produtores de plantas medicinais se desenvolvam e vendam insumos para empresas maiores.

A iniciativa contribui diretamente para o funcionamento das Farmácias Vivas, estabelecimentos que integram o SUS (Sistema Único de Saúde) e são responsáveis por todas as etapas da produção de plantas medicinais e fitoterápicos, desde o cultivo à distribuição.

A Farmácia Viva de São Bento do Sul (SC) foi uma das beneficiárias do ArticulaFito e recebeu uma desidratadora e uma balança comercial. Os profissionais também tiveram capacitação técnica pelo programa.

“Antes nós tínhamos uma desidratadora artesanal, feita por mim. Com essa nova, conseguimos dobrar a produção. Agora preciso aumentar a área de cultivo”, diz Ana Carla Prade, farmacêutica e coordenadora do Programa Farmácia Viva de São Bento do Sul.

Apesar do auxílio da Fiocruz, as Farmácias Vivas ainda enfrentam dificuldades na aquisição de ervas medicinais e produtos fitoterápicos.

“Não é fácil porque os agricultores precisam estar organizados em cooperativas e participar de licitações. Isso dificulta comprar a planta fresca, sem uma dinâmica de entrega ágil”, explica Ana.

Em 2017, o agricultor Onaur Ruano se juntou a outras dez famílias em seus terrenos em Ibiraporã (PR) para produzir plantas aromáticas e medicinais em pequena escala. Hoje, produzem temperos, ervas, flores e frutos desidratados para chás, além de óleos essenciais e hidrolatos, que são comercializados em feiras locais.

Com a ajuda do ArticulaFito, os agricultores da chácara Pacha Mama conseguiram equipamentos para aumentar sua escala de produção. Com isso, fecharam parcerias com empresas de cosméticos para vender o óleo essencial de alfavaca-cravo, que tem propriedades anti-inflamatórias, antissépticas e descongestionantes.

“O Brasil só importa insumos fitoterápicos porque não se identificam produtores capacitados aqui. Esse projeto ajuda a qualificar e dar visibilidade aos pequenos produtores”, afirma Onaur.

A presidente da Abifisa (Associação Brasileira das Empresas do Setor Fitoterápico, Suplemento Alimentar e de Promoção da Saúde), Laerte Dall’Agnol, explica que os entraves existem não apenas na produção, mas em toda a cadeia, desde a pesquisa até a indicação médica.

Para ela, um dos maiores gargalos é que os profissionais de saúde brasileiros, em geral, não prescrevem medicamentos baseados em plantas. “Na Alemanha, há uma cultura de prescrição de fitoterápicos e o mercado é muito maior. Aqui, temos a cultura do sintético. Não adianta qualificar o agricultor se o setor privado não comprar a matéria-prima”, afirma.

Outra dificuldade enfrentada é a falta de pesquisas em plantas nativas. “Nosso uso de plantas medicinais vem do conhecimento tradicional. A maior parte dos fitoterápicos que temos hoje no Brasil vêm de plantas com origem estrangeira, porque são essas que têm estudos”, diz Laerte.

Programa federal deve sair do papel neste ano

O MDA quer transformar a iniciativa da Fiocruz em um programa do governo até o final deste ano. Hoje, o ArticulaFito recebe cerca de R$ 1 milhão anualmente.

O ministério também elabora uma portaria para permitir que o programa Farmácia Viva compre plantas medicinais diretamente de agricultores, além de estabelecer um percentual mínimo para produtos originários da agricultura familiar.

Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços incluiu os fitoterápicos no Plano de Ação para a Neoindustrialização, lançado em 2024, mas o plano de ação da estratégia nacional para o setor, previsto para março do ano passado, ainda não foi lançado.

Em fevereiro de 2025, o ministério lançou lançou um projeto em parceria com o MDA para desenvolver as cadeias produtivas das plantas medicinais, com foco na agricultura familiar e saúde pública. O projeto está em elaboração técnica junto a Fundação Banco do Brasil.

Fonte: Folha de São Paulo

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