Brasil está entre países com maior uso de internet por crianças, mostra ONU
Nível de uso fica próximo de 100%; excesso de tela traz riscos à saúde e altera estrutura cerebral, diz relatório

O Brasil está entre os países em que as crianças e adolescentes com menos de 15 anos mais usam a internet, e isso pode ter reflexos no desenvolvimento cognitivo e na saúde mental de uma geração de jovens, diz o relatório da ONU (Organização das Nações Unidas) sobre o desenvolvimento humano.
De acordo com dados da ITU (União Internacional de Telecomunicações) de 2024 compilados pela ONU, os jovens brasileiros estão entre os que mais usam internet, junto com as populações de Maldivas e Hong Kong, com um nível de acesso próximo a 100%. A realidade nacional também é próxima da americana, onde 97% dos menores de idade tinham acesso à internet em casa.
O tempo excessivo de exposição a telas pode piorar as condições emocionais, cognitivas e de desenvolvimento da criança. O estudo cita riscos de transtorno de déficit de atenção, falhas no desenvolvimento de habilidades motoras e sociais. “A natureza da atividade e a sua duração influenciam os resultados”, afirmam as Nações Unidas.
Além disso, diz a ONU, telas em excesso durante a primeira infância “estão relacionadas a mudanças na estrutura cerebral e à redução da capacidade de linguagem e compreensão”.
“O país é líder global no uso da internet [por crianças], sem que ela esteja regulada, e isso é uma preocupação, porque tem uma faixa etária que, do ponto de vista educativo, ainda está em formação”, diz a economista-chefe da Unidade de Desenvolvimento Humano do Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) Brasil, Betina Ferraz Barbosa.
O Japão, por exemplo, tem um PIB per capita quase três vezes maior do que o Brasil, mas apresenta uma proporção de jovens com acesso à internet menor do que a brasileira.
O relatório da ONU reconhece que a falta de acesso à tecnologia desde cedo também coloca em risco o aprendizado das crianças e compromete o desenvolvimento de habilidades úteis em uma economia digital. A organização indica, por exemplo, a introdução de programas educacionais sob tempo de tela controlado.
Um dos desafios do Brasil, segundo o Comitê Gestor da Internet (CGI, é justamente a falta de acesso a ferramentas computacionais, fontes de saber diversas e conhecimento de programação, o que a entidade chama de “conexão significativa”.
“O celular é o principal dispositivo de acesso à internet pela parcela mais vulnerável da população, com a disponibilização dos planos zero rating, que permitem acesso a certas aplicações após o fim do pacote de dados”, diz a coordenadora de programa do Instituto Alana Maria Mello. Em geral, a gratuidade cobre redes sociais e aplicativos de mensagens como o WhatsApp.
“No Brasil, mais da metade das crianças e adolescentes vivem em situação de vulnerabilidade econômica, o que restringe seu acesso a ferramentas de proteção digital e amplia sua exposição a ameaças online, incluindo aquelas associadas à exploração comercial por meio de publicidade inadequada, que se utiliza de dados pessoais para direcionar conteúdos”, afirma Mello.
As crianças brasileiras têm tido contato com tecnologias digitais cada vez mais cedo, de acordo com a pesquisa TIC Kids do CGI. O número de crianças que acessaram a internet pela primeira vez aos 6 anos cresceu 10,5% nos últimos quatro anos.
Na faixa etária entre nove e 17 anos, 83% mantêm perfis online e 72% têm permissão para usá-los sozinhos. No entanto, apenas 46% dos entrevistados pelo CGI afirmou que sabia ajustar configurações de privacidade.
Os aplicativos que usam inteligência artificial para recomendar conteúdo, como é o caso do Instagram, do TikTok e do X (ex-Twitter), diz a ONU, estão associados a potenciais armadilhas para prender o usuário, mesmo que a maior parte deles afirme preferir viver sem essas plataformas.
O relatório das Nações Unidas ainda alerta para exposição dos menores de idade a crimes digitais, como a divulgação de pedofilia online.
A organização recomenda que seus países-membros informem pais, pediatras, e responsáveis por crianças sobre os riscos relacionados ao uso precoce de tecnologias digitais e que se inclua a iniciativa privada em grupos de trabalho sobre direitos das crianças e a proteção deles.
Acrescenta ainda que os serviços digitais e a inteligência artificial devem ser assunto em sala de aula, informando os jovens sobre os vieses e preconceitos das ferramentas de IA para incentivar o pensamento crítico.
Mello, do Instituto Alana, afirma que o Ministério da Educação tem trabalhado para ampliar a conectividade nas escolas. “Esperamos também a continuidade do trabalho do G20 brasileiro que colocou critérios para a conectividade significativa em nível global”, afirma.
Fonte: Folha de São Paulo