Nova patrocinadora do Palmeiras, Fictor dribla fiscalização da CVM para captar recursos

O grupo empresarial Fictor, que acertou patrocínio de até R$ 120 milhões com o Palmeiras no fim de março, tem se estruturado a partir de um modelo de captação de recursos junto a investidores, inclusive pessoas físicas, que escapa da vigilância da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e de outros órgãos de controle.
O cerne da estruturação do braço do grupo na área de comercialização de grãos, a Fictor Agro, é a captação de investimentos não por meio de fundos, que são regulados pela CVM e devem apresentar demonstrações financeiras auditadas, além de diversas outras regras de transparência, como indicação de número de cotistas. Pelo contrário, a nova patrocinadora do Palmeiras estabeleceu um modelo que envolve a criação de “sociedades em conta de participação”, as chamadas SCPs.
As SCPs são um tipo de empresa que pode contar com um número ilimitado de sócios, mas somente um, o “sócio ostensivo”, aparece nos registros públicos – no caso, a Fictor Holding ou a Fictor Invest, empresas que servem de guarda-chuva para todos os braços do grupo.
Desde 2021, a Fictor criou 11 empresas desse tipo. Somadas, elas possuem capital social de R$ 1,68 bilhão, conforme dados levantados em registros públicos da Receita Federal. Não é possível saber com precisão quanto desse valor foi aportado por investidores que injetaram dinheiro como sócios dessas SCPs, com a promessa de obter retornos de dividendos livres de impostos.
No ano passado, contudo, um dos diretores do grupo afirmou que há milhares de investidores que aplicam seus recursos dessa maneira. “Nós temos relacionamento com consultores que buscam pessoas interessadas em serem participantes do nosso negócio de compra e venda de grãos. Hoje, temos cerca de 1,8 mil participantes em nossa atividade de trading”, disse Rafael Paixão, CSO e sócio da novo patrocinadora do Palmeiras, em entrevista a site do mercado financeiro.
Assessores de investimentos, que recebem bônus por clientes captados para essas SCPs, vêm fazendo propaganda de investimentos na Fictor Agro pelo menos desde 2024. “Desvende a prosperidade com investimentos em SCP”, afirmou um assessor, numa rede social. “Desfrute de rendimentos impressionantes, alcançando até 18% ao ano”, prosseguiu.
A Fictor também já buscou prefeituras, mais especificamente institutos municipais de previdência, para que investissem nas SCPs.
Ao mesmo tempo em que buscam captar recursos dessa forma, fundos de investimentos do grupo Fictor (que, por sua vez, são supervisionados pela CVM) têm um patrimônio líquido somado de R$ 584 milhões – ou seja, cerca de um terço do montante amealhado por fora da supervisão da Comissão de Valores Mobiliários. A companhia também tem ações na Bolsa de Valores, que somam cerca de R$ 93 milhões.
O que diz a nova patrocinadora do Palmeiras
Em nota, a Fictor afirmou que é um grupo de participações que atua nos principais setores econômicos por meio de um amplo portfólio de empresas, atuantes de forma independente e sinérgica junto à holding.
Em seguida, negou que possui investidores por meio das SCPs, uma vez que não se trata de um modelo de captação de recursos.
“As SCPs são instrumentos de sociedade privada que seguem toda a legislação brasileira que compete ao Código Civil, e não à CVM. O modelo SCP detém toda a transparência entre os sócios-participantes da operação, respeitando a privacidade que tal modelo de operação requer por tratar de uma operação privada amparada pelo Código Civil”, explicou a nova patrocinadora do Palmeiras.
Por fim, confirmou que as SCPs não são fiscalizadas pela CVM e acrescentou que os aportes são efetuados diretamente pelo quadro societário da Fictor Holding.
Em relação à entrevista do sócio Rafael Paixão, a Fictor alegou que o termo “participantes” foi interpretado de maneira equivocada. “A referência feita pelo sócio direcionava-se à equipe de colaboradores da Fictor — e não aos sócios-participantes das operações. Ressaltamos que, na ocasião, a Fictor mantinha uma estrutura de 1,8 mil profissionais em todo seu quadro”, ponderou.
O que diz a CVM
Procurada, a CVM informou que acompanha e analisa informações e movimentações no âmbito do mercado de valores mobiliários brasileiro, tomando as medidas cabíveis, sempre que necessário.
“Vale ressaltar que a autarquia analisa caso a caso o enquadramento do investimento enquanto oferta pública de valor mobiliário, aplicando critérios com base no ‘howey test’”, explicou o órgão.
“Em complemento, é importante destacar que os contratos de investimento coletivo (CIC) são títulos que geram direito de participação, parceria ou remuneração, inclusive de prestação de serviços, cujos rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou de terceiros e quando ofertados publicamente, sujeitam-se ao regramento da CVM, notadamente à Resolução CVM 160 ou eventualmente, caso se enquadre, às regras estabelecidas para operações de Crowdfunding”, prosseguiu.
Fonte: Metrópoles