Saiba como funciona o donanemabe, medicamento aprovado pela Anvisa para tratamento de Alzheimer
Indicado para estágios iniciais da doença, medicamento já usado nos EUA ainda não teve preço definido no Brasil

A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) aprovou na terça-feira (22) o Kisunla (donanemabe), primeiro medicamento destinado exclusivamente para o tratamento de Alzheimer no Brasil.
Fabricado pela Eli Lilly, o fármaco não trata sintomas como perda de memória, desorientação, mudanças na personalidade e no comportamento, mas pode ajudar a retardar a progressão da doença.
O neurologista Paulo Caramelli, professor da Faculdade de Medicina da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), afirma que o tratamento é inovador por interferir num mecanismo central da doença, mas que isso não significa melhora clínica nos pacientes.
“O que se vê é uma redução da velocidade de progressão dos sintomas, tanto do declínio cognitivo quanto do declínio funcional”, diz Caramelli.
Como funciona o donanemabe e para quem é indicado?
Desde os anos 1990 é sabido que a doença de Alzheimer se desenvolve pela presença da proteína amiloide ou beta-amiloide no cérebro, diz Caramelli. “Então o que se acredita é que ao remover essa amiloide aconteça uma modificação na progressão da doença ao longo do tempo”, afirma.
É assim que o donanemabe funciona. Na doença de Alzheimer, aglomerados de proteína beta-amiloide formam placas no cérebro, e o medicamento atua ligando-se a esses aglomerados e os reduzindo, com a promessa de retardar a progressão da doença.
O medicamento é indicado para casos em que há comprometimento cognitivo leve ou demência leve associados à doença de Alzheimer em estágio inicial.
Segundo Caramelli, o tratamento pode ainda ser combinado com outros fármacos para melhora dos sintomas motores.
De acordo com o neurologista, também é necessário um diagnóstico preciso do desempenho cognitivo e funcional do paciente, junto à confirmação do diagnóstico de Alzheimer, para saber em quais casos prescrever o donanemabe.
Como é feita a aplicação do donanemabe?
O donanemabe será comercializado em formato injetável, podendo ser administrado uma vez por mês. A embalagem do medicamento contém ampolas com doses de 20 mililitros, vendidos sob prescrição médica.
Para Caramelli, é importante que centros de infusão sejam preparados para supervisionar e auxiliar pacientes que forem usar o medicamento para que a aplicação seja feita de forma segura.
“O que recomendamos é que inicialmente essas medicações sejam avaliadas em centros de referência com profissionais, com equipes multiprofissionais ou multidisciplinares, por profissionais com expertise, experiência na área, com toda a infraestrutura requerida e necessária”, diz o neurologista.
Quais as contra-indicações e os efeitos colaterais do donanemabe?
No Brasil, a Anvisa não recomenda o medicamento para pacientes com Alzheimer portadores do gene da apolipoproteína E4 (ApoE4).
“Nos estudos com essa medicação, assim como com o lecanemab, outro medicamento que também retarda os efeitos iniciais do Alzheimer, os efeitos colaterais são especialmente mais frequentes”, diz Caramelli.
Também devem evitar o medicamento os pacientes que fazem uso de anticoagulantes e aqueles que possam ter hemorragias ou edemas cerebrais —características que podem acometer portadores da doença de Alzheimer.
O especialista alerta ainda para que o medicamento só seja receitado para pacientes em boas condições clínicas. “Acho importante acrescentar que essa medicação não é destinada para pessoas que estejam sem sintomas, por exemplo, ou que tenham apenas uma queixa subjetiva”, afirma.
De acordo com Caramelli, não há dados que mostrem que essa medicação é eficaz nesses estágios ainda mais precoces da doença, assim como não há evidências de que pacientes com demência moderada ou grave se beneficiem dessa medicação.
Dentre os principais efeitos colaterais do uso de donanemabe estão febre, sintomas semelhantes aos da gripe e dores de cabeça.
Quais são as controvérsias envolvendo medicamentos do tipo?
Segundo Caramelli, a eficácia clínica constatada nos estudos sobre o medicamento publicados até o momento são modestas.
“O efeito biológico é inequívoco. Essas medicações fazem o que se propõem a fazer. Elas limpam e retiram os depósitos de proteína beta-amilóide do cérebro de forma extremamente efetiva. A questão é que isso não se traduz num benefício clínico expressivo”, afirma.
De acordo com o médico, não são observáveis melhoras clínicas nas pessoas tratadas com medicações como donanemabe e lecamenab —o que provoca, inclusive, um impasse para a aprovação desses medicamentos por outras agências reguladoras do mundo, como a EMA (Agência Europeia de Medicamentos).
Hoje, o donanemabe é aprovado para comercialização no Brasil e nos Estados Unidos. A agência de saúde europeia não aceitou a solicitação para venda na União Europeia.
Já o lecanemab está disponível para venda na União Europeia e nos Estados Unidos —no Brasil ainda não há expectativa de aprovação do medicamento.
Quais os preços e disponibilidade do donanenabe?
Ainda sem valor definido para venda no Brasil, nos Estados Unidos o donanemabe é vendido por US$ 695 o frasco (cerca de R$ 3.950 na conversão atual).
O tratamento anual com o remédio nos EUA sai por, aproximadamente, US$ 32 mil (ou R$ 181 mil).