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Guerra comercial com China é ‘benção’ para o Brasil e prejudica agricultores dos EUA

A vertiginosa troca de tarifas entre os EUA e a China impulsionou o setor agrícola do Brasil e prejudicou os agricultores americanos, à medida que Pequim busca na maior economia da América Latina uma gama de produtos, da soja a carne bovina.

O Brasil foi um grande vencedor na primeira guerra comercial do presidente Donald Trump com a China, expandindo dramaticamente sua então estreita liderança sobre os EUA como o maior fornecedor de alimentos de Pequim. Agora, parece que vai se distanciar ainda mais, com as exportações para a China já disparando antes de Trump aumentar suas tarifas sobre o país em 145% e Pequim adicionar taxas de 125%.

“É uma benção para os agricultores do Brasil e da Argentina, e ajudará muito sua indústria”, disse Ishan Bhanu, analista de agricultura do provedor de dados de commodities Kpler. “As ramificações disso serão mais duradouras do que as medidas em si _na Ásia, os países construirão melhores relações com a América do Sul.”

As vendas de carne bovina do Brasil para a China aumentaram em um terço no primeiro trimestre de 2025 em comparação com o ano anterior, enquanto as importações chinesas de aves aumentaram 19% ano a ano em março, de acordo com entidades comerciais. Enquanto isso, a demanda externa fez com que a soja brasileira fosse negociada com um prêmio de US$ 1,15 em relação aos seus equivalentes americanos nos mercados globais, tendo sido vendida com um desconto de 25 centavos apenas em janeiro.

“A China está se movendo rapidamente para garantir o fornecimento não apenas de soja, mas de outras commodities”, disse Rodrigo Alvim, diretor internacional do Minas Port Group do Brasil. “Isso resultará em menos demanda por grãos americanos.”

Os embarques agrícolas dos EUA para a China caíram 54% em janeiro em comparação com o ano anterior. O gigante asiático normalmente compra 90% das exportações de sorgo dos EUA e cerca de metade de suas exportações de soja.

Os agricultores dos EUA estavam “ainda se recuperando” da primeira guerra comercial de Trump e “certamente não estão entusiasmados com uma segunda guerra prolongada”, disse o agricultor de soja de Kentucky, Caleb Ragland, eleitor de Trump por três vezes, na quinta-feira.

Em uma carta aberta, Ragland, presidente da American Soybean Association (associação americana de soja), implorou a Trump que fizesse um acordo com a China.

“É urgente que um acordo aconteça. A economia agrícola está muito mais fraca agora do que estava em seu primeiro mandato. Após a primeira guerra comercial, perdemos quase 10% da participação de mercado para a China, que nunca recuperamos”, escreveu ele.

A China também bloqueou no mês passado uma parcela significativa da entrada de exportações de carne bovina dos EUA para o país, avaliada no ano passado em US$ 1,6 bilhão, ao não renovar os registros que permitem que centenas de instalações de carne dos EUA exportem para lá.

Também houve embarques limitados de soja, trigo, milho ou sorgo este ano, disse uma pessoa familiarizada com as exportações agrícolas dos EUA, que pediu anonimato, pois não estava autorizada a falar com a mídia.

Muitas esmagadoras de grãos chinesas interromperam as importações dos EUA, pois as tarifas destruíram suas margens, disse a pessoa familiarizada com a indústria. “Se a situação continuar, os embarques de grãos podem chegar a zero em maio”, disseram eles. “A única maneira de termos um ano normal é se as tarifas voltarem a zero.”

O Brasil estava em uma posição forte para capitalizar a mudança, disse Aurélio Pavinato, diretor executivo da SLC Agrícola, um dos maiores produtores de grãos do Brasil. “Com a China buscando diversificar seus fornecedores e a Europa vendo cada vez mais o Brasil como uma opção estável, estamos vendo um aumento na demanda externa e um aumento significativo nos preços”, disse ele.

O país tem Trump a agradecer, pelo menos em parte, por ajudá-lo a formar exportadores capazes de preencher o vazio dos EUA. Durante a primeira guerra comercial dos EUA com a China, a soja brasileira foi negociada com um prêmio de cerca de 20% em comparação com a soja dos EUA, ajudando a canalizar investimentos para o setor agrícola do país, disse Jim Sutter, diretor executivo do US Soybean Export Council (conselho de exportação de soja americana).

Esse investimento reduziu a vantagem competitiva dos EUA, que se baseava em infraestrutura forte e confiabilidade, disse Sutter.

A participação dos EUA nas importações de alimentos da China caiu de 20,7% em 2016 para 13,5% em 2023, enquanto a do Brasil cresceu de 17,2% para 25,2% no mesmo período.

A infraestrutura logística do Brasil ainda está atrás dos EUA, com gargalos nos portos frequentemente atrasando as exportações. Mas a guerra comercial mais recente pode mais uma vez trazer uma onda de capital, disse Eugenio Figueiredo, diretor executivo do Porto do Açu, que espera que a instabilidade encoraje a China a investir na logística brasileira.

Os europeus, que aguardam a ratificação de um grande acordo de livre comércio entre a UE e o Mercosul, também podem ser forçados a mudar para o fornecimento de proteína para ração animal do Brasil em vez dos EUA, de acordo com a Federação Europeia de Fabricantes de Ração (FEFAC).

Com a UE pronta para aplicar tarifas retaliatórias de 25% sobre soja, carne bovina e aves dos EUA entre abril e dezembro, crescem as preocupações de que o país possa não ter produtos suficientes para satisfazer a demanda. Embora o Brasil tenha tido uma safra recorde, disse Sutter, seu grande estoque “será rapidamente absorvido” se tanto a China quanto a UE “focarem todo o seu fornecimento no Brasil”.

Pedro Cordero, da FEFAC, disse que os europeus compartilham essa preocupação. “Competiremos com a China, entre outros países, pelos mesmos produtos”, disse ele. “Isso significa preços mais altos para a ração, o que significa preços mais altos para os alimentos.” Se a América do Sul não puder aumentar a produção, acrescentou, “estaremos em apuros”.

Fonte: Folha de São Paulo

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