Suspensão de eólicas por Trump favorece setor no Brasil, que prepara leilão
Decisão de presidente americano paralisa novos projetos de eólicas no mar, modalidade que acaba de ter uma lei sancionada no Brasil
A decisão do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de suspender novos projetos de energia eólica no país, sob o argumento de que os cataventos “matam seus pássaros e arruínam suas belas paisagens”, tem potencial de turbinar o interesse de investidores deste setor no mercado brasileiro.
O ato de Trump paralisa principalmente futuros arrendamentos de projetos eólicos no mar (offshore), no mesmo momento em que esse tipo de empreendimento de geração de energia acaba de ter uma lei sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no último dia 11. O governo brasileiro pretende fazer o primeiro leilão de áreas no mar para exploração eólica no segundo semestre deste ano.
Na avaliação de especialistas do setor, o sinal vermelho que os Estados Unidos acendem para a transição energética deve mexer com o posicionamento de diversos países no mundo. Mas isso deve ser aproveitado pelo Brasil, que conta com vantagens naturais e econômicas para acelerar no caminho oposto.
“Para o Brasil, em particular, esse posicionamento acaba sendo uma vantagem. Trump sinaliza que uma parte do mundo está menos disposta a pagar o prêmio pela energia renovável. Ele faz isso porque, lá, essa energia é mais cara que outras fontes. Só que, no Brasil, o cenário é o contrário. As fontes renováveis são nosso bônus, porque aqui essa energia é mais barata”, diz Paulo Pedrosa, presidente da Abrace (Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e Consumidores Livres).
A instalação de eólicas no mar ainda é uma experiência marginal nos Estados Unidos, com baixa presença. Já as instalações eólicas em terra fazem dos americanos o segundo maior usuário do planeta em potência instalada.
Dos 945,5 Gigawatts do parque mundial de energia eólica em terra, 43% estão na China, enquanto 16% são produzidos pelos americanos, conforme o ranking de 2024 do Conselho Global de Energia Eólica (GWEC na sigla em inglês). O Brasil aparece em sexta posição (3% do total), atrás de Alemanha (7%), Índia (5%) e Espanha (3%).
O cenário muda quando se trata das eólicas offshore, com China na liderança (50%), seguida por Reino Unido (20%), Alemanha (11%) e Países Baixos (6%). Estados Unidos sequer aparecem no ranking.
Ao anular esse mercado em seu nascedouro, Trump afasta fornecedores de peças e máquinas deste setor –a maior parte deles da China– e investidores de projetos eólicos, a maior parte deles concentrada na Europa.
“Já se esperava esse revés na transição do clima e energética. Mas é claro que, com a decisão tomada, certamente haverá uma reversão de caminho de capital. Havia muito dinheiro do setor eólico migrando para lá [EUA]. Agora, o mercado vai buscar outro caminho e há uma tendência de migração de investimento no Brasil”, avalia Elbia Gannoum, presidente da Abeeólica (Associação Brasileira de Energia Eólica e Novas Tecnologias).
O tema ganha ainda mais relevância no país, devido à realização da COP30, conferência do clima que será realizada em Belém, em novembro. “O governo tem dado sinal positivo de que trabalha para fazer as primeiras sessões de blocos no mar neste segundo semestre”, diz Gannoum.
A fonte eólica viveu um crescimento expressivo no Brasil nos últimos 15 anos, saindo de uma potência total de 600 Megawatts (MW) em 2009 para chegar a mais de 33,6 mil MW em 2024. Nos próximos cinco anos, a previsão é de que mais 23,2 mil MW entrem em operação no país.
“O tabuleiro de xadrez está sendo rearranjado no mundo. Os Estados Unidos estão se reposicionando e isso mexe com todos os países. É hora de o Brasil ir para o jogo, ser diferente e usar isso para se fortalecer. Este deve ser um discurso de país e de governo”, diz Pedrosa.
Seja qual for o impacto no mercado brasileiro, ele não é imediato. Gannoum afirma que, em média, as decisões e atos costumam se converter em realidade no mercado no prazo de dois anos, em média, devido ao prazo de construção e realização de investimentos.
Em 2024, diz ela, houve desaceleração no ritmo de crescimento, devido a fatores ocorridos dois anos antes, como queda da economia, grande volume de chuva –que abastecem hidrelétricas– e crescimento da fonte solar. Os mesmos efeitos devem impactar o crescimento deste ano. A partir de 2026, porém, a perspectiva é de retomada mais fonte de investimentos.
Hoje, a fonte eólica responde por 16% da potência total de produção de energia do Brasil. O Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) tinha recebido 98 pedidos formais de licenciamento de parques eólicos em alto-mar até o fim do ano passado. Somados, esses projetos pedem autorização para instalar 15.501 torres no litoral, o que equivale uma capacidade total de 234,2 Gigawatts.
A maior parte dessa geração está prevista para a região Nordeste (109 Gigawatts), seguida pelo Sul (75,3) e pelo Sudeste (49,9). Boa parte desses planos, porém, estão sobrepostos e terão de ser revistos.
Fonte: Folha de São Paulo