Oito marcas que moram no coração dos consumidores
Especialista elenca cases de empresas que conseguem estabelecer uma relação ganha-ganha com o público, sem promessas vazias
Eu devia ter por volta de 8 anos de idade quando fui surpreendido por um posicionamento de marca pela primeira vez. Claro, eu não tinha a menor noção do que esse conceito significava naquela época.
Muito menos pensava em um dia ser publicitário e escrever sobre o tema. Minha carreira dos sonhos transitava entre veterinário, astronauta e desenhista da Turma da Mônica, não necessariamente nessa ordem. Enfim, eu não era um mini-publicitário analisando branding nos corredores do supermercado, apenas uma criança tornando mais difícil e demorada a compra mensal da família. Quem nunca?
Foi em uma dessas idas ao mercado que meus olhos bateram em uma caixa azul, com um dinossauro amarelo (ou seria dragão?) sentado sobre uma montanha de biscoitos mordidos. Provavelmente tive que abrir mão de um Yakult ou de um Danoninho, mas consegui fazer com que aquela embalagem incrível entrasse no nosso carrinho de compras.
Chegando em casa, qual não foi a minha surpresa ao descobrir que os biscoitos lá dentro também estavam mordidos?! O dinossauro (ou dragão) provava todos os biscoitos antes de colocá-los na caixa.
Achei aquilo simplesmente incrível, mesmo sem conseguir teorizar sobre o motivo. Aquela marca entrou no meu coração, com conceitos subjetivos que muitas vezes nem precisam ser explicados. Cuidado, atenção, ludicidade, fantasia… tudo estava ali e foi absorvido pela minha mente infantil.
Trinta e quatro anos mais tarde, eu ainda não superei o fato de o biscoito Monstrinhos Creck ter sido descontinuado. Mas, aprendi um pouco sobre como marcas usam posicionamentos para captar a atenção de públicos diversos explorando nichos, conceitos e signos universais, e se apropriam de alguns territórios para se destacar dentro de mercados competitivos.
A seguir, vou falar de algumas marcas que admiro e que conseguem se comunicar de forma impactante, sem promessas vazias, mas criando uma relação de troca real com o consumidor.
Patagonia
Algumas empresas estão tão conectadas ao CEO que os posicionamentos dele determinam a imagem da empresa. Isso pode funcionar para o bem e para o mal, é verdade, mas é o que faz a fabricante de roupas para esportes ao ar-livre Patagonia.
A empresa criada por Yvon Chouinard em 1973 anunciou recentemente que 100% dos lucros passam a ser doados para iniciativas que tentam diminuir o impacto das mudanças climáticas no planeta. Segundo o fundador e CEO “a Terra agora é nossa única acionista”. É um posicionamento de marca?
Não exatamente. Mas, é algo que chega ao público e colabora na construção de uma companhia engajada com temas atuais e que tem total conexão com os valores dos consumidores.
Dove
Impossível começar a pensar em uma lista de posicionamentos inteligentes de marca sem citar a norte-americana Dove e a “Real Beleza”.
Dentro do setor de higiene e beleza, a Dove soube ler o espírito da época e passou a tratar temas sensíveis como empoderamento, diversidade, padrões de beleza e inclusão quando os concorrentes ainda nadavam na direção oposta.
Anos e muitos prêmios de comunicação depois, virou referência para todo o mercado e continua firme na jornada de quebrar estereótipos. Posicionamento bom, de verdade, faz com que toda uma indústria repense as práticas e corra atrás do prejuízo.
Natura
E já que estamos falando de marcas de higiene e beleza que se reposicionaram com sucesso, a Natura adotou uma postura que mexeu drasticamente com o processo de obtenção de matéria-prima, no desenvolvimento de produtos e na vida de pequenos produtores.
Acionando toda uma cadeia produtiva baseada em agricultura sustentável e ingredientes tipicamente brasileiros, a empresa criada por Luiz Seabra em 1969 se reinventou e criou um espaço próprio na percepção de valor do público.
O posicionamento da Natura ultrapassa o âmbito empresarial com uma comunicação assertiva, que engaja o consumidor na causa e iniciativas.
Havaianas
Diga que você é brasileiro sem dizer que é brasileiro. Essa legenda é seguida pela imagem de uma pessoa com um par de Havaianas nos pés.
A marca está presente na vida dos brasileiros desde 1962, mas passava por uma crise de identidade no início dos anos 90. Quem aí com mais de 30 anos não lembra da famosa frase “não deforma, não dá cheiro e não solta as tiras”? Atributos totalmente palpáveis e calcados na escolha racional.
Com uma mudança brusca na linguagem, a Havaianas abraçou o jeito casual do brasileiro e trouxe isso para a comunicação. Atores globais mostram seus pés calçando a sandália em situações engraçadas e descontraídas. Agora elas são um estilo de vida e não mais uma solução barata para não andar descalço.
Nike
Alguém surpreso com esse nome na lista? Não, né?! A Nike é aquele exemplo de posicionamento audacioso (para fugir do anglicismo que o definiria como bold) e que rege os movimentos do mercado.
Hoje talvez você leia a frase “Just do it” e ache que é apenas mais um conceito, afinal ela está aí há mais de 30 anos. Mas, o lema foi criado em uma época em que “chacoalhar” o consumidor não era algo comum.
O que falta para você levantar e correr? Just do it. O que falta pra você treinar e ser o melhor do mundo? Just do it. Um mantra que representa o ideal da marca criada por atletas para atletas. Profissionais ou de espírito.
Red Bull
Ainda no ambiente de esporte, não tem como deixar de fora dessa lista a Red Bull. A empresa austríaca dá aula quando o assunto é formar novos pontos de contato com os consumidores.
Com uma estratégia inicialmente ligada aos esportes radicais, a companhia vem expandindo a atuação para o futebol, além da tradicional presença na Fórmula 1 e patrocínio de atletas e eventos temáticos.
Mas, não basta apenas participar da conversa. A fabricante de energéticos tem a estratégia de ser o assunto da mesma. Isso quer dizer que a participação no esporte não fica limitada ao patrocínio de equipes, mas extrapola para a gestão das mesmas.
Mídia espontânea, uma base de fãs estabelecida e uma conexão mais forte do que nunca com o território que elegeu para ser seu pilar de branding.
Airbnb
A maior rede de hotéis do mundo não tem um quarto sequer. Parece óbvio depois que alguém já executou a ideia, certo?
Se hospedar pelo Airbnb hoje já é algo corriqueiro para quem costuma viajar, mas em algum momento a empresa precisou conquistar um público que estava acostumado a ter as mordomias de um hotel presentes na estadia.
Claro que o apelo inicial foi o preço mais baixo, mas depois de investir em experiências únicas e focar na rede de relacionamento com hóspedes e anfitriões, a marca conquistou um lugar no coração do público.
Por meio da economia compartilhada, hoje gera renda e ajuda o comércio local, descentralizando possíveis hóspedes de grandes polos turísticos.
Disney
Bom, acho que falar da casa do Mickey é chover no molhado, certo?
Acho que não, pois tem alguns pontos bem interessantes na forma como a empresa trabalha o posicionamento. Um deles é o cuidado com a experiência do usuário, e aqui falo muito mais dos parques, mas é algo que também se reflete em outros produtos da marca. A Disney tem controle total sobre tudo o que acontece dentro dos próprios domínios.
A bebida e a comida que são servidas nos restaurantes, a interação com os personagens, a experiência de compra… tudo é trabalhado para levar o consumidor para um lugar mágico e seguro. Bem caro, é verdade, mas ainda mágico e seguro.
Resumindo: se criar conexão emocional com o cliente fosse uma competição, a Disney estaria em 1º lugar disparado.
Olhando o trabalho pronto, parece até fácil, né?
Mas como dizia Clarice Lispector, “o óbvio é a verdade mais difícil de se enxergar”.
Posicionar uma marca de forma que ela seja compreendida e abraçada por seu público é um trabalho longo, exaustivo e, por vezes, cheio de retrocessos. Mas como dá pra ver nos casos citados, é um investimento que se paga com juros.
Agora, pra tudo ficar melhor, só falta a Nestlé trazer de volta os Monstrinhos Creck. Foi um menino de oito anos que pediu.
Fonte: Metrópoles