‘F… you Musk’: o impacto da ofensa de Janja para a relação de Lula e Trump
A agressão da primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, ao empresário Elon Musk pode impactar negativamente as relações do Brasil com o futuro governo de Donald Trump, recém-eleito para um segundo mandato presidencial nos Estados Unidos, avaliam diplomatas e especialistas ouvidos pela BBC News Brasil.
A primeira-dama xingou Musk, dono da rede social X e futuro integrante do governo Trump, enquanto debatia regulamentação das redes sociais junto com o influenciador Felipe Neto, durante um evento no sábado (16/11), dentro da programação do G20 — grupo que reúne as 19 maiores economias do mundo mais União Europeia e União Africana.
A fala de Janja ocorreu após um som mais alto no ambiente chamar atenção, aparentemente uma buzina de um navio, vinda da orla próxima ao local do debate. Ao se assustar com o barulho, a primeira-dama se agacha e brinca que seria algo provocado pelo empresário.
“Acho que é o Elon Musk”, disse, ao se abaixar. “Eu não tenho medo de você, inclusive… F… you Elon Musk!”, completou, gerando risos da plateia.
Apesar de brincadeira, a ofensa causou rápida reação de Musk e do próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O dono do X reagiu a um post com o vídeo da fala de Janja na sua rede social com emojis de risos seguido da fala: “Eles vão perder a próxima eleição”.
Ele também compartilhou outro registro da ofensa postado pelo deputado bolsonarista Nikolas Ferreira (PL-MG), acompanhado da sigla lol, que significa “laughing out loud”, ou “rindo muito alto” em português.
Já Lula repudiou ofensas a adversários ao discursar na noite de sábado, no encerramento do Festival Aliança Global, organizado por Janja, dentro da programação do G20.
“Eu queria dizer pra vocês que essa é uma campanha em que a gente não tem que ofender ninguém. Nós não temos que xingar ninguém. Nós devemos apenas indignar a sociedade”, afirmou o presidente, quando falava sobre a necessidade de mais ações de combate à fome no mundo.
Musk, que apoiou pesadamente a campanha de Trump, foi anunciado como integrante do futuro governo. Ele vai trabalhar em um novo Departamento de Eficiência Governamental, com o objetivo de “desmantelar a burocracia governamental”, impulsionar “uma reforma estrutural em larga escala” e cortar gastos.
Diplomatas brasileiros ouvidos pela reportagem avaliam que a fala de Janja não contribui para a estratégia de buscar uma relação pragmática com a administração Trump. Segundo essas fontes do Itamaraty, o Brasil ficará numa posição melhor se não polemizar com a nova gestão americana.
Especialistas entrevistados têm visão semelhante. Para o professor de Relações Internacionais da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Dawisson Belém Lopes, a declaração vai contra o esforço da diplomacia brasileira de “desdramatizar a pauta da política externa brasileira”.
Ele lembra que, antes da vitória de Trump, Lula já havia dado declarações inapropriadas, quando afirmou que torcia pela candidata democrata Kamala Harris, e chegou a apontar Trump como um exemplo de “fascismo e nazismo voltando a funcionar com outra cara” no mundo.
“Tanto a fala de Lula às vésperas da eleição sobre o caráter pretensamente nazista da candidatura de Donald Trump, quanto a fala de Janja xingando Elon Musk é algo é ruim, gratuito, que não ajuda em absolutamente nada e cria mais sombra, mais desconfiança, onde já não existe propriamente, uma relação sólida”, critica.
“É claro que isso é pequeno no grande esquema das coisas. Não creio que vá ser decisivo de nenhuma maneira, mas seguramente não contribui [para construir uma relação melhor]”, ressaltou.
Mestre em direito internacional pela USP e consultor em Direitos Humanos, o advogado Victor Del Vecchio ressalta que Trump tem como uma de suas características de governo a imprevisibilidade, tendendo para posições mais ideológicas do que pragmáticas.
“Ao xingar Elon Musk, um de seus aliados de primeira hora, Janja chama a atenção do futuro presidente e tensiona ainda mais uma relação que precisa de harmonia muito mais por interesse brasileiro do que norte-americano. Nós precisamos mais dos EUA do que eles de nós”, respondeu à reportagem, por mensagem.
“As relações comerciais e políticas entre os países são construídas, sobretudo pela diplomacia, que por sua vez é, em grande parte, construída por gestos. Quando uma oficial do governo brasileiro em um evento oficial faz uma declaração dessas, totalmente inadequada, uma mensagem muito negativa é passada e canais de diálogo podem ser afetados”, disse ainda.
Para Del Vecchio, a fala de Janja pode “realçar diferenças” entre os governos de Lula e Trump e dificultar os esforços do governo brasileiro para buscar consensos em pautas importantes, como “reformar a governança global (com o fortalecimento de espaços multilaterais e reforma no Conselho de Seguranca da ONU, por exemplo), avançar na regulação do ambiente digital, na construção de paz no Oriente-Médio, na taxação de grandes fortunas, no enfrentamento à crise climática e pela maior integração de cadeias globais de suprimentos”.
O Brasil está na presidência rotativa do G20, e sedia a Cúpula de Líderes do grupo por dois dias, a partir de segunda-feira (18/11). Os especialistas entrevistados não acreditam que a fala de Janja afetará as negociações.
O evento reunirá as principais lideranças globais, com Lula de anfitrião. São aguardados os presidentes Joe Biden (Estados Unidos), Xi Jinping (China), Emmanuel Macron (França), Javier Milei (Argentina) e Cyril Ramaphosa (África do Sul), assim como o chanceler Olaf Scholz (Alemanha) e os primeiros-ministros Narendra Modi (Índia), Keir Starmer (Reino Unido) e Giorgia Meloni (Itália), entre outros.
As polêmicas de Musk no Brasil
A ofensa de Janja ocorre num contexto de embates entre Musk e autoridades brasileiras, em especial com o ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes
As tensões começaram no ano passado, quando o ministro, relator de inquéritos sobre fake news no Brasil, determinou a suspensão de contas de redes sociais de diversas pessoas ligadas aos atos de 8 de janeiro de 2023 em Brasília, quando bolsonaristas depredaram as sedes dos Três Poderes.
Outras plataformas cumpriram com as decisões judiciais, mas o X não acatou as ordens. A empresa veio a público em abril desse ano com críticas ao STF, a quem acusou de censura.
As tensões cresceram com trocas de farpas entre Alexandre de Moraes e o bilionário Elon Musk e culminaram a suspensão do funcionamento da plataforma no Brasil no final de agosto.
O X voltou a funcionar no início de outubro, depois que Musk recuou, aceitando cumprir as decisões e pagar as multas impostas pelo ministro.
Fonte: BBC News Brasil