Após vaivém, Saúde recusa oferta de vacina atualizada da Covid por falta de registro da Anvisa
Após dizer que aceitava uma oferta de 3 milhões de vacinas atualizadas, ou seja, adaptadas à variante JN.1, a pasta mudou de posição e recusou os imunizantes. As doses chegariam ao país até dezembro
A troca das vacinas vencidas contra Covid, fruto de uma entrega com prazo de validade diferente do acordado com a farmacêutica Moderna, envolveu um vaivém no Ministério da Saúde. Após dizer que aceitava uma oferta de 3 milhões de vacinas atualizadas, ou seja, adaptadas à variante JN.1, a pasta mudou de posição e recusou os imunizantes. As doses chegariam ao país até dezembro.
Em vez disso, o ministério comandado por Nísia Trindade cobrou a entrega da vacina mais antiga, modelo hoje disponível no SUS (Sistema Único de Saúde), voltado à cepa XBB. Também abriu um processo administrativo contra a empresa, que diz não ter condições de seguir a ordem da Saúde por não fabricar mais as vacinas contra a variante XBB.
A pasta argumenta que a vacina sugerida pela Moderna não tem registro da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), o que poderia dificultar a liberação da importação das doses. Diz ainda que o modelo hoje aplicado é atualizado, seguro e eficaz.
“Uma possível substituição [do estoque vencido] por doses da JN.1, neste momento, atende exclusivamente aos interesses da empresa, uma vez que esta cepa não está aprovada pela Anvisa para comercialização no Brasil. Não há cenário epidemiológico que justifique excepcionalidade e descumprimento dos trâmites sanitários no país”, diz a Saúde.
Três técnicos da Anvisa ouvidos sob reserva pela re´prtage, afirmam que seria possível autorizar a importação excepcional mesmo antes do registro da atualização da cepa da vacina. Um deles diz que este procedimento é frequentemente adotado para produtos do SUS.
Integrantes do ministério, porém, reclamam do período de análises da Anvisa sobre as importações por excepcionalidade. Um pedido anterior da Saúde para liberar a entrada de doses da Moderna, feito em julho, só foi aprovado cerca de dois meses depois.
A pasta aceitou a oferta da Moderna em setembro, mas recuou e decidiu cobrar da farmacêutica o envio de vacinas contra a cepa XBB para substituir o que está vencido. O modelo é o mesmo que já está disponível nos postos de saúde desde maio, pertencendo à geração anterior de imunizantes contra a Covid.
A Moderna afirma que deixou de produzir a vacina da Covid adaptada à XBB e que tinha feito um acordo com a Saúde, em setembro, para entregar as doses mais atuais.
Em nota, o ministério diz que notificou a Moderna por descumprimento de contrato “diante da incapacidade de cumprir o prazo [para reposição das doses vencidas]”. “Essas doses são em substituição à remessa enviada pela empresa com prazo de validade abaixo do estabelecido.”
A Saúde ainda declara que a sua prioridade é garantir a proteção da população com a oferta “ininterrupta” de vacinas seguras e eficazes. “O SUS disponibiliza atualmente a vacina mais atualizada contra Covid-19 aprovada pela Anvisa, a XBB, garantindo a máxima proteção aos brasileiros.”
A Moderna afirma que protocolou no início do semestre o pedido de registro da vacina adaptada à JN.1. A farmacêutica aponta que entregaria as 3 milhões de doses entre novembro e dezembro, conforme o aval da Anvisa, pois a produção “está em fase final”.
Já a Anvisa afirma que ainda analisa o pedido da farmacêutica. “No momento estão sendo avaliadas as respostas enviadas pelas empresas aos questionamentos feitos pela Anvisa.”
A Moderna disse ao ministério, em documentos obtidos pela reportagem, que o plano de repor o estoque com as mesmas doses usadas no SUS é complexo, pois a farmacêutica interrompeu a produção global do modelo adaptado à variante XBB.
A pasta comandada por Nísia Trindade decidiu manter a exigência pela dose mais antiga. A Saúde também abriu processo que pode levar a Moderna a ser punida com multa e impossibilidade de contratar com o governo.
A atuação negacionista e o desdém de Jair Bolsonaro (PL) na pandemia foram temas da campanha de Lula em 2022, mas o Ministério da Saúde ainda patina para organizar a imunização da Covid.
A equipe de Nísia prometeu entregar 70 milhões de doses atualizadas em 2024, mas até agora fechou contrato atrasado por 12,5 milhões de vacinas da Moderna. A farmacêutica ainda entregou as doses com validade mais curta do que exigia o contrato.
Mais de 4,2 milhões de vacinas ficaram travadas no estoque pelo fim da validade. A farmacêutica já trocou 1,2 milhão de doses vencidas por imunizantes válidos e do modelo XBB, o mesmo que já vinha sendo entregue ao SUS.
O plano inicialmente aceito pelo ministério era substituir as 3 milhões de unidades restantes no estoque em dezembro pela versão atualizada da Spikevax.
Em paralelo, o ministério também realizou pregão para compras de até 69 milhões de doses. O Instituto Serum, da Índia, representado no Brasil pela Zalika e fornecendo a Covovax, e a farmacêutica multinacional Pfizer venceram a disputa, mas o ministério ainda não assinou contratos com as empresas.
“Sobre o novo contrato celebrado para aquisição de 69 milhões de doses da vacina contra Covid-19, a primeira entrega está em definição. A previsão é de entregas de vacinas com as cepas mais atualizadas e aprovadas pela Anvisa”, diz a Saúde.
Diversos estados ficaram sem vacinas da Covid em setembro, especialmente do modelo que pode ser aplicado em menores de 12 anos. O Rio Grande do Sul, por exemplo, não recebia imunizantes para crianças desde junho. O ministério afirma que os estoques já foram restabelecidos e que não há risco de desabastecimento.
No ano passado, o governo perdeu ao menos 80% de um lote de 10 milhões de unidades da Coronavac, compradas tardiamente no fim de 2023, o que causou prejuízo superior a R$ 260 milhões. A perda das vacinas da Coronavac, Moderna e a compra de imunizantes desatualizados são citados em investigação preliminar aberta pela Procuradoria da República do DF sobre suposta omissão da gestão Nísia Trindade no combate à Covid.
Fonte: Notícias ao Minuto