O cérebro deprimido não apenas ‘está’ diferente, ele é diferente
Análise de indivíduos mostra o que a análise de grupos não enxerga
Uma das minhas tendências favoritas na neurociência moderna é a atenção que finalmente está sendo dada à variação individual. Só assim, quando se reservam o tempo e a paciência para olhar cada caso em separado, é que se descobre o que a análise de valores médios supostamente representativos de um grupo esconde: às vezes, um efeito médio é “zero” não porque nada muda em ninguém, e sim porque uns mudam para mais, e outros, para menos.
O mais novo caso de “olha só, tem efeito sim se a gente ignorar a média e olhar para os indivíduos” vem do Departamento de Psiquiatria da Universidade Cornell de Medicina, em Nova York.
Até o momento, estudos sobre depressão apenas contrastavam “pessoas que estão deprimidas” com “pessoas normais”. Charles Lynch e Conor Liston estavam convencidos de que há de haver algo radicalmente diferente no cérebro de quem sofre repetidamente de depressão —o que é a maioria dos casos de depressão, já que ela vai e volta, donde a importância do tratamento continuado para evitar novos episódios.
Junto com uma grande equipe interdisciplinar, os pesquisadores resolveram analisar imagens de ressonância magnética detalhadas do cérebro de seis pacientes com depressão profunda, comparando-os com 37 pessoas saudáveis –todos analisados um a um.
Pois os pacientes deprimidos de fato têm variações marcantes em seus cérebros… que desaparecem quando a média entre eles é computada. Nesses pacientes, a superfície coberta pelo córtex cingulado anterior, pelo córtex pré-frontal dorsolateral e pela ínsula anterior é –pasme– 73% maior do que nos controles. Mas como a superfície de cada região expande em uma direção diferente em cada paciente, à custa da contração das regiões vizinhas, a média… está sempre no mesmo lugar.
É como pedir para seis pessoas diferentes estenderem uma das fronteiras do estado de São Paulo em um mapa: se cada uma expandir o estado para um lado diferente, São Paulo aumenta de tamanho, mas seu mapa médio permanece no lugar. Pois é.
O que essas regiões do córtex cerebral têm em comum —e que é tão importante para a depressão— é que elas formam um circuito que representa situações problemáticas, dignas de preocupação e ansiedade —tudo isso marca registrada do cérebro deprimido.
De fato, revirando três bases de dados independentes, os pesquisadores descobriram que a expansão das áreas desse circuito está sempre presente nos pacientes que sofrem de depressão, mesmo durante períodos saudáveis, e, aliás, também é presente no cérebro de crianças que ainda não haviam tido um episódio depressivo, mas sofreriam de depressão anos à frente. O cérebro deprimido é diferente.
O que muda ao longo dos dias, conforme os pacientes entram e saem do estado deprimido, é o chamado “grau de conectividade funcional”: o quanto essas estruturas de fato falam entre si e, portanto, dirigem o comportamento.
Acompanhando dois pacientes ao longo de cerca de um ano, os pesquisadores descobriram que o fortalecimento temporário da conexão entre o cingulado anterior e o estriado ventral, intermediário de sensações de prazer e satisfação, não só caracteriza o estado depressivo como também o antecede em cerca de uma semana, predizendo a próxima crise depressiva.
O estado depressivo, portanto, pode ser tratado e evitado —mas o cérebro depressivo é de fato um cérebro diferente, com um circuito pró-ansiedade expandido.
Fonte: Folha de São Paulo