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Vestido de noiva, ração e perfume: o que motiva a corrida às compras nos EUA?

Variáveis como incerteza e risco de escassez elevam a ansiedade do consumidor

Não é a primeira vez que os Estados Unidos reabrem a guerra comercial com a China, mas o padrão mudou. Em 2018, o governo Trump elevou tarifas sobre aço, alumínio e diversos produtos —mas o impacto nos preços demorou a chegar às prateleiras. Agora, com um novo pacote anunciado e implementação adiada em 90 dias, consumidores e lojistas estão se antecipando. Vestidos de noiva, ração para gatos e perfumes viraram itens estratégicos. A escolha pode parecer aleatória, mas é movida mais pela emoção do que pelo preço.

Pesquisas em economia comportamental ajudam a entender esse padrão. D’Acunto, Malmendier e colaboradores investigaram como consumidores formam expectativas de inflação. Na prática, as pessoas reagem menos ao índice oficial de inflação e mais ao que sentem no dia a dia. Usando dados de escaneamento de supermercados e questionários sobre expectativas, os autores identificaram que aumentos em produtos de compra frequente —como leite ou sabão em pó— geram impactos desproporcionais nas expectativas de inflação como um todo. A percepção de que “tudo está mais caro” nasce de experiências concretas e visíveis, mesmo que não reflitam os dados agregados. Essa expectativa subjetiva, por sua vez, influencia o consumo em categorias que, em tese, não foram afetadas, como móveis ou eletrônicos.

Diante de riscos percebidos como elevados —como pandemias ou novas rodadas tarifárias—, o comportamento de consumo tende a ser mediado por ansiedade. Syed Alam e colaboradores aprofundaram a dimensão emocional da resposta do consumidor. Variáveis como incerteza, percepção de severidade e risco de escassez elevam a ansiedade, que por sua vez aumenta a propensão a compras impulsivas. Nesses casos, o ato de consumir se torna uma forma de controle em meio ao caos. Comprar três frascos de perfume ou garantir o vestido de noiva antes da alta de preços não é irracional: é autoproteção.

Há ainda um componente social relevante. Quando um consumidor vê outras pessoas estocando produtos ou discutindo sobre um aumento iminente, essa observação serve como um gatilho comportamental. Michelle Baddeley reuniu evidências interdisciplinares sobre o papel do comportamento de manada em contextos de escassez percebida. A decisão de consumo passa a ser guiada por uma lógica coletiva, e não apenas individual. Essa cascata informacional é alimentada por rumores, imagens de prateleiras vazias e interações sociais. Diferente da escassez real, a escassez percebida é volátil —mas altamente eficaz em moldar comportamentos.

Já Bachmann, Berg e Sims investigaram a heterogeneidade na resposta dos consumidores às expectativas inflacionárias. Em muitos casos, essa expectativa não leva a mais consumo, mas à retração. Isso é particularmente relevante para bens duráveis, onde o valor elevado e a baixa urgência geram prudência.

O episódio americano revela um padrão mais amplo: decisões de consumo seguem lógicas mais complexas do que a teoria econômica tradicional costuma prever. O preço importa, mas não age sozinho. Emoções como ansiedade, fatores sociais como o comportamento de manada, e a incerteza estrutural moldam o quê, quando e por que se compra. Afinal, a ansiedade também move a demanda —e pode ser tão poderosa quanto o preço na gôndola.

Fonte: Folha de São Paulo

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