O que é arritmia cardíaca, que afetou o zagueiro Juan Izquierdo e o técnico Tite
Doença afeta ritmo das batidas do coração e pode ter repercussões graves
Nos últimos dias, dois personagens do futebol sul-americano foram acometidos pela arritmia cardíaca durante as disputas das oitavas de final da Copa Libertadores.
O primeiro deles foi Tite, técnico do Flamengo. Após o jogo contra o Bolívar em La Paz, na Bolívia, na quinta-feira (22/8), o treinador sentiu-se mal.
Ao chegar ao Brasil, foi internado no Rio de Janeiro na sexta-feira (23/8), onde recebeu medicações para regularizar o ritmo do coração.
Tite teve alta no sábado (24/8) e ficou de repouso durante o domingo, mas está bem e retomou o trabalho nesta semana.
O segundo caso ocorreu no Estádio do Morumbi, na capital paulista, durante o jogo entre o São Paulo e o Nacional de Montevidéu, do Uruguai, também no dia 22 de agosto.
Quase no final do segundo tempo, aos 39 minutos, o zagueiro uruguaio Juan Izquierdo passou mal e caiu no gramado.
Os outros atletas pediram a entrada da ambulância, que levou o jogador direto para o Hospital Israelita Albert Einstein, que fica nas proximidades do estádio, onde ele permanece internado até o momento.
O quadro de Izquierdo piorou nos últimos dias. Segundo o último boletim médico divulgado, ele segue na UTI (Unidade de Terapia Intensiva), depende de ventilação mecânica e tem um “quadro neurológico crítico”.
Segundo informações divulgadas nos últimos dias, o uruguaio sofreu uma parada cardíaca logo após deixar o gramado e precisou de manobras de ressuscitação cardiopulmonar e desfibrilação para que o coração dele voltasse a bater.
Entenda a seguir o que é a arritmia cardíaca, como ela surge e quais são as formas de diagnóstico, prevenção e tratamento.
Arritmia cardíaca: o coração em descompasso
O Instituto Nacional de Coração, Pulmão e Sangue (NHLBI, na sigla em inglês), dos Estados Unidos, explica que o coração tem uma espécie de sistema elétrico, que é responsável por ditar o ritmo em que o órgão trabalha para bombear o sangue a todo o organismo.
“É normal que os batimentos cardíacos subam durante a atividade física e diminuam durante o descanso e o sono. Também é esperado que esse ritmo do coração sofra pequenas irregularidades ocasionalmente”, explica o instituto.
Nos quadros de arritmia, porém, essas batidas do coração ficam irregulares demais. Elas podem se tornar muito rápidas ou muito lentas, ou assumir um comportamento absolutamente inconstante.
E esse comportamento errático do órgão faz com que uma quantidade insuficiente de sangue seja distribuída para o corpo —o que gera uma série de problemas, desde tontura e falta de fôlego a desmaios e palpitações.
Ainda segundo o NHLBI, existem diferentes tipos de arritmia, que são classificados de acordo com o local onde elas acontecem.
Há, por exemplo, as arritmias supraventriculares, que começam no átrio (as câmaras superiores do coração) ou nas estruturas que marcam a fronteira com os ventrículos (as câmaras inferiores).
Dentro desse grupo, encontra-se a fibrilação atrial —o quadro diagnosticado no técnico Tite.
Esse é o tipo de arritmia mais comum, que afeta entre 2% e 4% da população mundial, segundo diversos levantamentos internacionais.
Nesse quadro, o coração chega a bater mais de 400 vezes por minuto (em repouso, o normal é que esse órgão bata entre 60 e 100 vezes por minuto).
Além disso, as câmaras superiores (os átrios) e as inferiores (os ventrículos) não trabalham em conjunto, como o esperado.
Esse descompasso faz com que os ventrículos não recebam a quantidade de sangue suficiente para suprir toda a demanda do organismo.
Também fazem parte do grupo das arritmias supraventriculares o flutter atrial e a taquicardia paroxística.
Há também o grupo das arritmias ventriculares, que começam nas câmaras cardíacas inferiores. O NHLBI pontua que elas podem ser bastante perigosas e necessitam de cuidados médicos imediatos.
No caso do zagueiro Juan Izquierdo, não foi divulgado qual tipo específico de arritmia ele apresentou.Um artigo de 2012 publicado no site do Instituto do Coração (Incor), de São Paulo, estima que “até 20% da população tem algum tipo de arritmia cardíaca, incluindo aquelas que levam à morte súbita“.
“Trata-se de uma doença grave na qual a qualidade de vida do paciente é comprometida, podendo chegar ao ponto de ele perder totalmente a autonomia”, diz o texto.
A Sobrac (Sociedade Brasileira de Arritmias Cardíacas) calcula que, a cada ano, mais de 300 mil pessoas são vítimas de morte súbita no Brasil, grande parte delas vítimas da arritmia cardíaca fatal.
Os sintomas e o diagnóstico da arritmia cardíaca
A British Heart Foundatio, uma organização sobre saúde cardiovascular do Reino Unido, lista os sinais mais comuns de uma arritmia:
- Palpitações no peito;
- Enjoo e náusea;
- Sensação de desmaio;
- Falta de fôlego;
- Desconforto no tórax;
- Cansaço.
A entidade aponta que os sintomas podem variar de acordo com o tipo de arritmia que o paciente tem.
Mas como é feito o diagnóstico da condição?
O NHS, o serviço de saúde pública do Reino Unido, explica que quando esses sintomas persistem por muito tempo ou existe um histórico familiar de morte súbita por problemas cardiovasculares, é importante passar por uma avaliação médica.
Um dos métodos mais usados para detectar as arritmias é o eletrocardiograma. O exame faz um registro do sistema elétrico do coração, para ver como está o ritmo de batidas do órgão.
“Mesmo se o eletrocardiograma não encontrar nenhuma alteração, pode ser necessário fazer outros monitoramentos”, diz o NHS.
Outro teste comum aqui é o holter, um pequeno dispositivo que avalia o funcionamento do coração por um período de 24 horas (ou mais, se o especialista achar necessário).
Caso a arritmia aconteça em momentos de atividade física, o médico pode ainda sugerir a realização de testes de esforço, que são feitos em esteiras ou bicicletas ergométricas.
Por fim, também pode ser necessário fazer um monitoramento contínuo do coração ou outros exames, como um estudo eletrofisiológico ou um ecocardiograma (um ultrassom do músculo cardíaco).
As causas da arritmia cardíaca
O NHLBI, dos EUA, explica que as arritmias “são geralmente causadas por um problema no sinal elétrico do coração”.
“Frequentemente, a condição se desenvolve a partir de um gatilho. Em alguns casos, a causa da arritmia não é conhecida”, diz o instituto.
Entre as possíveis origens da doença, destacam-se:
- Idade: conforme envelhecemos, o coração pode sofrer algumas lesões ou sentir as consequências de longo prazo de condições crônicas, como colesterol alto, hipertensão, problemas na tireoide e diabetes;
- Genética: algumas arritmias que aparecem em crianças e adolescentes estão relacionadas a defeitos congênitos ou problemas herdados das gerações anteriores;
- Estilo de vida: estudos revelam que o risco de ter uma arritmia é maior entre fumantes, usuários de drogas ilegais, como cocaína e anfetaminas, e quem bebe muito álcool;
- Remédios: alguns fármacos prescritos para tratar outros problemas de saúde, como hipertensão, alergias, infecções bacterianas ou transtornos psiquiátricos, podem gerar uma arritmia. Antes de interromper o uso deles, no entanto, é importante passar por uma avaliação para ver se é possível fazer um ajuste de doses ou trocar o princípio ativo;
- Outras doenças: as arritmias também são mais frequentes em indivíduos com cardiomiopatias, defeitos cardíacos congênitos, inflamação cardíaca, doenças renais, pulmonares, obesidade, apneia do sono, gripe, covid-19, entre outras.
Existem também alguns fatores que podem engatilhar as arritmias em determinadas pessoas.
É o caso de aumentos ou baixas na quantidade de açúcar no sangue, cafeína, drogas, quadros de desidratação, falta de eletrólitos (potássio, magnésio e cálcio, por exemplo), atividade física, questões emocionais (como estresse, ansiedade, raiva, dor e surpresa), vômitos e tosses.
Nesses casos, uma das maneiras de prevenir as arritmias é justamente evitar sempre que possível esses gatilhos —embora isso não descarte a necessidade de um acompanhamento médico e uma busca por tratamentos efetivos, sobre os quais falaremos adiante.
Como é o tratamento da arritmia cardíaca
O NHS destaca que o controle da arritmia depende do tipo do quadro —e se o coração está batendo mais rápido ou mais devagar do que o esperado.
Também há a necessidade de tratar as condições que estão por trás do descompasso cardíaco.
Se o paciente está com diabetes, hipertensão e colesterol fora das metas, por exemplo, é importante lidar com esses fatores também.
Já os tratamentos específicos da arritmia envolvem:
- Remédios, como os betabloqueadores e os bloqueadores dos canais de cálcio;
- Cardioversão-desfibrilação (dar um choque elétrico no peito para que o ritmo do coração volte ao compasso);
- Ablação por catéter (técnica cirúrgica que “queima” e destrói o tecido cardíaco doente, onde se origina a arritmia);
- Instalação de marca-passos ou outros pequenos dispositivos que mantêm o ritmo adequado das batidas do coração;
A British Heart Foundation lembra que a maioria das arritmias é tratável. “Isso significa que, com a terapia correta, o paciente pode seguir a vida normalmente”.
“Viver com um ritmo cardíaco anormal pode ser emocionalmente desafiador para a pessoa e a família. E é importante lidar com a ansiedade e o estresse relacionados ao quadro”, conclui a instituição.
Fonte: Folha de São Paulo