Uniforme brasileiro das Olimpíadas 2024 recebe críticas nas redes sociais
Comentários sugerem que o traje escolhido para a cerimônia de abertura seria muito simples, comum e até conservador
A uma semana da cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de Paris 2024, que acontece na próxima sexta (26), o uniforme do Brasil, feito pela Riachuelo, está recebendo críticas nas redes sociais. Alguns comentários sugerem que o traje escolhido para a cerimônia de abertura seria muito simples, comum e até conservador.
No X (antigo Twitter), os usuários fizeram até mesmo uma outra versão dos trajes de abertura, utilizando inteligência artificial.
A Riachuelo, patrocinadora do COB (Comitê Olímpico do Brasil) e marca de moda oficial do time Brasil, afirma que os uniformes exploram a fauna e a flora do país e ilustram a força da biodiversidade brasileira. A cartela de cores das camisetas faz alusão à bandeira do Brasil, com as tonalidades de verde, azul e amarelo presentes em grande parte das peças.
As jaquetas jeans que compõem as peças da cerimônia de abertura foram bordadas pelas bordadeiras de Timbaúba dos Batistas, cidade no semiárido do Rio Grande do Norte.
Ana Vaz, consultora de imagem e idealizadora da Butique de Cursos, entende que o traje para a cerimônia de abertura não traz elementos de conexão entre as características do país e a importância da solenidade. “Os uniformes, como um todo, usam soluções de estilo e produção muito simples e comuns, que a gente não espera em um evento tão especial como é uma Olimpíada. Quando a gente foca principalmente os uniformes para a abertura, temos peças que contam muito pouco sobre nós, sobre o Brasil.”
“Uma jaqueta jeans não é algo que tenha a ver com a nossa história. Uma camiseta com a estampa Breton, que tem a ver com a história da França, não tem a ver com a nossa história. A saia, que é uma saia midi, rodada, que remete à saia do New Look, da Dior, em 1947, e que é icônica para a moda francesa, não se conecta com o Brasil”, diz.
Para a consultora, o chinelo Havaianas utilizado nesse traje, apesar de normalmente ser bem-visto pela população e estar associado a um sentimento de orgulho do país, “fica desconectado com a ideia de ocasião especial que essa abertura tem”, diz e acrescenta: “Além de não celebrar a ocasião, o uniforme não celebra as pessoas que estão vestindo essas roupas, que são atletas olímpicos, que se esforçaram muito, que dedicam a sua vida ao esporte. A roupa poderia render algum tipo de homenagem nesse sentido também”.
Cláudia Vicentini, professora doutora de Têxtil e Moda na Each (Escola de Artes, Ciências e Humanidades), campus USP Leste, considera que os uniformes, de maneira geral, trazem signos importantes para o país, mas entende que houve um choque entre a expectativa do público sobre as roupas e os trajes em si.
“Quando a gente olha mais de perto para esse uniforme, a gente vê que ele traduz as características do povo brasileiro. Eles foram feitos por bordadeiras do interior do Rio Grande do Norte, também houve uma preocupação com a preservação da natureza. São coisas que eles utilizaram que são muito relevantes para o Brasil. Mas, entrou em choque com a expectativa do público”, comenta e ressalta: “O que acontece é que as pessoas acharam que, esteticamente, ele não faz jus ao que nós temos para oferecer”.
Segundo a professora, é esperado que o traje reflita em seu design o alto desempenho e perfomance esperado dos atletas. “É uma cerimônia de jogos olímpicos, então, algo relativo ao esporte, ao desempenho dos atletas. Aí já está embutido um valor social a respeito dessa performance que se espera dos atletas. E a expectativa é de que eles se saiam muito bem, e ela deveria estar, de alguma maneira, figurativizada nas roupas, no vestuário que fosse escolhido para participar da cerimônia. Porque tudo isso que eu falei sobre o tipo de tecido, sobre a o trabalho artesanal das peças, não vem escrito. Ninguém sabe. Ao contrário de um design elaborado que você, automaticamente, vê e faz o registro estético desse design”, afirma.
Para Vaz, as críticas “comunicam como a gente se vê e como a gente gostaria de se ver. Por mais que eu possa me ver em um look que tem uma camiseta, uma jaqueta jeans, uma saia ou uma calça, um chinelinho, etc. Falta um pouco do aspiracional desse brasileiro que gosta de se ver também como criativo, bem cuidado, como um indivíduo especial. Faltou um refletir nosso desejo da gente se ver melhor representado”.
A especialista ainda entende que o traje de abertura “traz um resultado comercial demais, como dia a dia demais, comum demais. Ele vai ser inteiro comercializado. Pode ter havido uma atenção muito grande na capacidade que ele tem de gerar vendas e pouco na capacidade de gerar reputação”. A especialista ainda questiona algumas decisões da Riachuelo para as Olimpíadas:
“Eu fico muito curiosa sobre qual decisão foi tomada, de repente até pensar que as pessoas poderiam criticar, mas que isso provavelmente seria um sucesso de vendas, converteria em lucro e tudo bem se as pessoas criticarem. São questionamentos que me deixam bastante inquieta”.
Para Vicentini, não é possível produzir uma roupa comercial para o grande público que ao mesmo tempo seja um traje adequado para uma cerimônia especial. “Ou você faz uma conexão para o consumo informal ou você faz uma conexão com uma festa. As duas coisas não funcionam muito bem juntas. É porque uma tem uma proposta, a outra tem outra”, ressalta.
Fonte: Folha de São Paulo