Reforma tributária: o que muda na sua vida com a maior alíquota do mundo
Impostos subirão sobre minério de ferro, petróleo e compras no exterior e famílias de baixa renda terão cashback; especialistas veem implantação difícil
Entregue ao Congresso na quarta-feira (24) e com aprovação “prometida” até meados de julho, a regulamentação da proposta de reforma tributária deverá resultar em uma alíquota média de 27,5% de imposto sobre os bens e serviços, o que representa a maior alíquota do mundo em termos de imposto sobre o consumo. Até agora, a liderança fica com a Hungria, que cobra uma alíquota de 27%. Com as mudanças, a incidência brasileira passará à frente.
“O resultado não está como gostaríamos”, diz Roberto Mateus Ordine, presidente da Associação Comercial de São Paulo. “Somos pela simplificação e pela redução da carga tributária. Isso não está contemplado, e vamos tentar suprir essas deficiências na fase da regulamentação.”
Rememorando: a reforma tributária aprovada em dezembro de 2023 substituiu cinco impostos por dois. Os tributos federais PIS, Cofins e IPI, o estadual ICMS e o municipal ISS foram substituídos por um imposto sobre valor agregado duplo. A Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) substitui os impostos federais, e o Imposto Sobre Bens e Serviços (IBS) vai ficar no lugar dos impostos estaduais e municipais.
Promessa de simplificação
A principal vantagem vendida pelo governo para a reforma é a simplificação. Atualmente, há 27 regulamentações diferentes para o ICMS, o que dificulta os negócios e reduz a competitividade da economia. “O Brasil é o país hoje que gasta mais tempo com impostos, na frente de países como Bolívia, Venezuela, Líbia”, diz Davi Lelis, economista da Valor Investimentos. “Não estou falando de carga tributária, estou falando do tempo que pessoas e empresas gastam durante o ano para cumprir obrigações fiscais.”
Segundo ele, a média mundial é que as empresas gastem 233 horas por ano para cuidar da parte fiscal. Nos Estados Unidos são gastas 175 horas, e no Brasil são 1.501 horas. “Imagine o quanto de eficiência o país ganharia se as empresas e os trabalhadores gastassem essas horas trabalhando e produzindo”, afirma.
“Se a reforma facilitar para as empresas entenderem como devem aplicar os tributos sobre os preços de seus produtos e serviços, isso será um grande avanço”, diz o economista Rodrigo Simões, professor da Faculdade do Comércio. “As diferenças estaduais na legislação do ICMS dificultam vender para outros estados.”
Regulamentação
“Agora chegou a hora do desafio principal”, diz Gustavo Sung, economista-chefe da Suno Research. “Será que as leis aprovadas irão refletir com exatidão os princípios e acordos presentes na Emenda Constitucional?”, diz ele.
Outro ponto, segundo Sung, é que muitas coisas ainda podem mudar. Para o economista, um dos pontos de atenção é a desoneração de diversos produtos da cesta básica. “Por exemplo, 18 itens terão suas alíquotas zeradas e 14 itens, especialmente alimentos, terão uma redução de 60% nas alíquotas. Será que os congressistas vão adicionar mais itens nessa lista?” Segundo Sung, o mesmo raciocínio vale para os prestadores de serviços. Pela proposta, 18 categorias de serviços profissionais terão suas alíquotas reduzidas.
Implantação difícil
No entanto, segundo especialistas, a regulamentação será difícil de implantar. “A proposta é complexa, eleva a carga tributária sobre diversos setores, e não há consenso sobre sua aplicação na sociedade”, diz Rangel Fiorin, sócio do escritório Juveniz Jr Rolim Ferraz. “A Lei Geral do IBS, da CBS e do Imposto Seletivo altera mais de 499 artigos. Só isso pode gerar insegurança jurídica e o aumento da contencioso tributário”, diz ele.
Para Thiago Braga, tributarista do Candido Martins Advogados, uma das medidas, o chamado cashback, que é a devolução de dinheiro na compra de produtos como gás para famílias de menor renda, terá um efeito menor do que o esperado. “O projeto vincula a devoluções dos tributos às famílias com renda per capita de até meio salário-mínimo, e essa restrição vai reduzir bastante a amplitude do cashback”, diz ele.
Braga também prevê dificuldades no chamado “split payment”. Esse sistema prevê que os impostos criados pela reforma serão recolhidos já no momento do pagamento, quando o banco vai separar o valor para os cofres públicos dos entes nacionais. “Ainda não ficou claro como ocorrerá a operacionalização, principalmente tecnológica, do mecanismo do split payment por parte dos entes federados”, diz ele.
Imposto Seletivo
Também foi adicionado o Imposto Seletivo (IS), também conhecido como “imposto do pecado”, que vai tributar produtos considerados nocivos com alíquotas de até 100%. Segundo Márcio Miranda Maia, sócio do escritório Maia & Anjos Advogados, esse imposto, que era uma questão polêmica, vai incidir sobre algumas categorias relevantes: veículos, como embarcações e aeronaves, tabaco, bebidas açucaradas e alcoólicas e produtos minerais como petróleo, gás natural e ferro.
“A ideia desse imposto é que ele foque em tudo aquilo que é considerado prejudicial a saúde e ao meio ambiente”, diz Maia. “O texto da reforma, inclusive, argumenta que a incidência do IS sobre a aquisição de veículos, aeronaves e embarcações justifica-se por serem emissores de poluentes que causam danos ao meio ambiente e ao homem”, afirma. Já os automóveis e comerciais leves considerados sustentáveis terão alíquota zero.
Segundo Sung, da Suno, esse tributo pode ser questionado. “Na balança comercial brasileira, ferro é o primeiro item mais exportado, e petróleo é o terceiro. Então, poderemos ver pressões de grupos de interesses e lobbies para retirada ou até adição de itens nesses grupos”, diz ele.
Fonte: Forbes